Metodologia
A Talk Inc foi responsável pela imersão qualitativa do Atlas. A pesquisa utilizou duas diferentes metodologias qualitativas para investigar o estilo de vida, comportamento e visões dos jovens brasileiros.
Primeira fase
A primeira fase teve início em fevereiro de 2020 e a metodologia utilizada foi de entrevistas individuais em profundidade. Estas foram realizadas presencialmente nas próprias casas dos jovens, com o intuito de realizar um mergulho mais profundo e etnográfico, entender o espaço e o entorno de onde o jovem vive.
Os jovens foram recrutados por uma equipe especializada, sendo eles diversos em termos de gênero, idade, orientação afetivo-sexual, religião, classe social, situação de trabalho e nível de escolaridade. Além da diversidade demográfica, a Talk Inc buscou histórias de vida com características diferentes entre os entrevistados dessa etapa.
As entrevistas duraram cerca de duas horas, numa conversa guiada por um roteiro composto de grandes temas que abarcam diferentes dimensões da vida do jovem, como educação, trabalho e consumo, mas também aspectos mais subjetivos como relações, sexualidade e visão de mundo. Nessa fase os jovens foram fotografados em suas casas e em alguns ambientes por onde transitam. As entrevistas foram posteriormente transcritas.
As entrevistas aconteceram com oito jovens, quatro de São Paulo e cinco do Paraná, no mês de fevereiro de 2020. A intenção era seguir para as demais regiões, mas a pesquisa foi interrompida pelo início da pandemia em março de 2020. Esta primeira fase gerou um relatório prévio das nove entrevistas.
Segunda fase
Quando a situação da pandemia de certa forma se estabilizou, decidimos partir para a fase dois do estudo, que já estava prevista: o disparo de um questionário online também qualitativo. Nessa fase, buscamos equilibrar a necessidade de buscar respostas mais qualitativas à necessidade de ouvir muitos jovens.
Este questionário foi utilizado para dar capilaridade de distribuição ao estudo e coletar respostas de jovens de todos os Estados do Brasil. O instrumento de coleta de dados escolhido foi uma “survey online”, ou seja, um questionário que foi distribuído através de um link. O respondente precisava ter acesso à internet para poder responder o questionário. Consideramos que 79% dos brasileiros possuem acesso à internet, sendo que esse índice aumenta para as populações mais jovens, chegando a 91% para os jovens de 20 a 24 anos (dados do PNAD divulgado pelo IBGE em 2020).
A capilaridade – que permitiu análises comparativas importantes para um país do tamanho e diversidade do Brasil – foi possível por causa da distribuição do link do questionário por diversas instituições sociais de todas as cinco regiões. O link para o questionário foi divulgado através das redes destas instituições (institutos, fundações e redes de mobilização jovem). A diversidade desses parceiros de distribuição garantiu que a amostra ficasse, de certa forma, neutra, o que também foi reforçado pelo desenho de cotas ligadas ao perfil dos respondentes. Assim garantimos que determinados grupos não estivessem super ou sub representados.
A equipe trabalhou por cotas que buscaram representar a diversidade dos jovens a partir do seu gênero, raça, idade, escolaridade, classe social, orientação afetivo-sexual, religião, situação de trabalho (trabalho formal, informal, autônomos, empreendedores, desempregados, aprendizes e estudantes) e tipo de localidade onde vivem (capital, região metropolitana e interior). Assim, puderam estar representados diferentes jovens, considerando que estamos falando de uma amostra qualitativa.
A meta estabelecida para este estudo qualitativo foi de 300 respondentes, e ao final, foram analisadas 303 respostas. A escolha dos questionários a serem analisados se deu pela representatividade aproximada de cada Estado. Sendo assim, foram ouvidos jovens de cidades de todos os tamanhos, de capitais e do interior de Estados. Dois exemplos incluem as cidades pequenas como Mauá da Serra/PR (8.553 habitantes) ou Picuí/PB (18.703 habitantes).
Dentre os 303 questionários analisados, para que pudéssemos garantir uma amostra de pelo menos 50 jovens em situação de vulnerabilidade (classe social E pelo critério Brasil), contratamos um serviço especializado de recrutamento, que buscou 57 respondentes desse perfil socioeconômico, também diverso em termos das outras características já mencionadas.
O questionário usado como instrumento de coleta das respostas foi composto por 94 perguntas, sendo 58 perguntas abertas e o restante perguntas fechadas, de resposta única ou múltipla. Pela alta quantidade de perguntas abertas, o tempo médio de resposta ao questionário foi de 45 minutos. Com isso, sabíamos do risco de desistências ao longo do instrumento de pesquisa (o que de fato aconteceu, pois tivemos um total de 4.602 respostas, das quais 2.812 de forma parcial). Mesmo assim, optamos por esse formato pela necessidade de cobrir diferentes blocos temáticos, deixar espaço para respostas mais espontâneas e poder ouvi-los em um formato mais de relato. Dessa forma, 1.790 jovens foram até o final do questionário, podendo ser selecionados para a análise final.
O questionário passou por duas fases de teste e análise crítica antes que o campo fosse iniciado. Em um formato colaborativo, dez especialistas/instituições analisaram as perguntas, buscando identificar gaps e espaços de oportunidades para a investigação. Além disso, o questionário foi testado com dez jovens e a partir de suas respostas pudemos testar dúvidas na interpretação das perguntas e adaptar a linguagem para deixá-la mais adequada ao público.
O questionário cobriu as seguintes temáticas: juventude, sonhos, futuro, religião, rotina, estilo de vida, temas de interesse, sexualidade, saúde, informação, Brasil, política e causas, trabalho, educação, dinheiro, tecnologia e consumo. A abordagem qualitativa e com a maioria de perguntas abertas tornou possível obter uma visão mais 360º da vida destes jovens.
A coleta de dados durou aproximadamente oito meses e aconteceu no período de julho de 2020 a fevereiro de 2021, mas a maior concentração de respostas foi entre julho e novembro de 2020 (os demais meses foram usados para coletar cotas sub representadas na amostra).
Na base de dados final, agrupamos os temas para facilitar as análises. Foi realizada uma leitura quantitativa com relação aos respondentes, para entendermos as principais dimensões da amostra. Olhamos principalmente para as diferentes regiões, faixas etárias, de renda, raça, escolaridade, gênero, orientação afetivo-sexual e nível de escolaridade. Destacamos que mesmo que tenhamos olhado para os dados também de forma quantitativa, o estudo é qualitativo, portanto, essas noções numéricas foram utilizadas apenas para verificar e aprofundar potenciais diferenças entre os perfis.
Ainda no limiar do qualitativo e quantitativo, aproveitamos o grande volume de dados textuais para realizar algumas análises de nuvens de palavras para questões onde as palavras-chaves eram importantes, como: o que é ser jovem, sonhos, ansiedades, temas de interesses e causas. Essa análise inicial foi então aprofundada com a leitura das respostas completas.
As respostas foram todas lidas de forma “vertical” (leitura individual de todas as respostas a cada pergunta) e também de forma “horizontal” (leitura individual de todas as respostas de cada respondente). Assim foi possível não só analisar transversalmente as visões dos jovens sobre os temas investigados, mas também entender as histórias individuais que compõem as particularidades, histórias e detalhes do todo.
Em temas específicos como trabalho e educação foi importante mergulhar nas diferentes percepções daqueles em diferentes estágios ou situações vividas com relação ao assunto em questão. Da mesma forma, usamos os diferentes recortes de religião e orientação afetivo-sexual para entender as visões sobre esses assuntos.
Esta pré-análise gerou um relatório prévio de 234 páginas, dividido por grandes temas e repleto de depoimentos (aspas) dos respondentes.
Destacamos que mesmo com o volume de respostas sendo de quase 400 jovens, não podemos considerar os dados como representativos do todo da juventude brasileira, uma vez que a amostra não atende às necessidades estatísticas necessárias para isso. De qualquer forma, é uma amostra bastante significativa para um estudo qualitativo, que vai muito além das amostras normalmente utilizadas para este tipo de metodologia.
Retomada da primeira fase
Por fim, já em março de 2021, a Talk Inc partiu para dar continuidade à primeira metodologia. Voltou a campo para realizar mais doze entrevistas individuais em profundidade, dessa vez virtualmente (não presencial). As doze entrevistas compuseram as três regiões faltantes: Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Dessa vez os jovens foram recrutados por uma equipe especializada, novamente de acordo com características de diversidade de gênero, idade, orientação afetivo-sexual, religião, classe social, situação de trabalho e nível de escolaridade. Além da diversidade demográfica, a Talk Inc buscou diversidade também nas histórias de vida, para englobar perfis que representassem diferentes grupos. Como exemplo disso, tivemos uma jovem parda casada com um filho pequeno que não trabalha, um jovem indígena que saiu de sua comunidade e foi estudar na capital de seu Estado, um jovem desempregado que vive com a mãe, uma jovem negra que saiu da casa dos pais e mora com outros jovens, um jovem que vive em uma comunidade ribeirinha e foi criado pelos tios.
O roteiro utilizado para estas entrevistas foi adaptado, buscando aprofundar pontos já analisados nos questionários online.
Nessa fase (Centro-Oeste, Nordeste e Norte), entrevistamos dois jovens da capital e dois jovens do interior do Estado. As entrevistas foram realizadas por plataformas digitais de videoconferência, gravadas e transcritas e tiveram a duração aproximada de 1h e 30min. Com essa finalização, complementamos a primeira metodologia (pré-pandemia), realizando ao todo 20 entrevistas em profundidade, sendo oito entrevistas presenciais e doze remotas.
A análise destas entrevistas em profundidade foi realizada primeiramente de forma individual, mergulhando em cada história. Após essa fase, a Talk Inc buscou entender as transversalidades das vinte entrevistas. Num terceiro momento, a análise buscou cruzar as metodologias e encontrar as descobertas mais significativas e importantes que perpassam os diferentes campos e análises.